sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Burocroesia

Burocroesia

 

Drummond devia saber que a burocracia é uma arte. Uma arte diferente, sem matéria, sem lugar, sem objeto, sem substância. É diferente até do zero e do vazio, que não existem, pois a burocracia existe, só não tem nada a dizer. A burocracia é como uma poesia sem rima, de letras contadas. Seria um soneto, se o os sonetos tivessem dado entrada no processo, autenticado suas firmas e terminassem em rubricas (em todas as laudas, por favor). A burocracia existe na tensão entre a inutilidade e a complexidade, multiplicados por 2, em caso de necessidade emergencial. Quando se rompe essa linha tênue, os restos são anexados... à um novo processo. O mais absurdo é que só os desonestos conseguem se livrar da ilusão de suas garras, burlando regras e alvarás e falsificando carimbos e assinaturas. A burocracia é um monstro até para seus profetas, os burocratas, pois, quando longe do púlpito, também sempre lhes falta uma cópia, um formulário, um registro numa ata qualquer! Eu ate protocolaria um pedido de isenção, com abaixo assinado e cpf dos requerentes, mas na arte da burocracia não cabe final feliz porque ela não tem estoria alguma.

Sombras e luz

 

Sombras e luz



Sombrios e bons, não matamos a esmo

Nos becos sujos, uns corpos aqui e ali

Viemos salvar almas, costurar umas às outras,

vendê-las no mercado


Fazemos pactos para sangue florescer


Sombrios e bons, perdidos em noite pântano,

quebrados e unidos pelo piano

Estamos com capas e presas,

com som à matar acomodados


Lançamos dúvidas para viver


Sombrios e bons, armados com palavras

Afiados com concordância e raiva,

vamos ceifar os cruéis,

incomodando peixes com seus nados


Buscamos rosas para nos abster


Sombrios e bons, assassinos de nós,

cortamos com olhares indiferentes

Somos crianças brincando de dor e culpa,

alegremente deixando a sanidade de lado


Plantamos nós ao morrer